TEXTOS PSICOLOGIA JUNGUIANA (II)



SONHOS

“O sonho é uma porta estreita, dissimulada naquilo que a alma tem de mais obscuro e íntimo; essa porta se abre para a noite cósmica original, que continha a alma muito antes da consciência do eu e que a perpetuará muito além daquilo que a consciência individual poderá atingir. Pois toda a consciência do eu é esparsa; só o que pode entrar em relação com o eu é percebido. A consciência do eu, mesmo quando aflora as nebulosas mais distantes, é feita de enclaves bem delimitados. Mediante o sonho, inversamente, penetramos no ser humano mais profundo, mais geral, mais verdadeiro, mais durável, mergulhado ainda na penumbra da noite original, quando ainda estava no Todo e o Todo nele, no seio da natureza indiferenciada e despersonalizada. O sonho provém dessas profundezas, onde o universo ainda está unificado, quer assuma as aparências mais pueris, as mais grotescas, as mais imorais.”
C.G. JUNG - Psicologia em Transição

            Depois de trabalhar durante alguns anos com a hipnose e com a livre associação, Jung considerou os sonhos como a mais eficiente maneira de acessar os conteúdos mais profundos do inconsciente. Como lemos no pensamento acima, eles não são um resultado direto da mente racional, consciente, logo, não há artifícios enganadores; todas as máscaras e desejos ocultos e reprimidos vêm à tona sem o menor pudor, assim como muitos conteúdos da mente arcaica do homem  e da humanidade. É certo é que os conteúdos dos sonhos nascem do inconsciente no sentido de compensação psíquica, mas seu fim último e maior é a realização da consciência no processo de individuação.
Analisemos este comentário de Jung: “A técnica psicanalítica necessita, em certos casos, do acesso ao Inconsciente. E a pergunta é: Qual o caminho mais rápido e seguro para se chegar ao inconsciente? “O primeiro método aplicado foi a hipnose: o paciente era interrogado em estado de concentração hipnótica, ou então era induzido à produção espontânea de fantasias, no mesmo estado.” Jung achava, já naquele tempo, obsoleto e, muitas vezes, insatisfatória a hipnose como meio de acesso ao inconsciente.  Freud também a abandonou, optando pela interpretações dos sonhos e Jung reconhece ter sido ele o primeiro a demonstrar eficientemente o método.
            Jung analisou milhares de sonhos durante sua longa carreira como médico psiquiatra. Chegou a uma conclusão bastante curiosa : os sonhos não são imagens perdidas na nossa mente, mas constituem um material importantíssimo no processo de individuação. E mais. Na análise dos sonhos, constatou que eles seguiam uma sequência significativa, sendo as experiências da consciência no onírico não imagens soltas e sem nexo, mas revelações de um continuum em evolução e em constante transformação. Assim como no estado de vigília temos nossas metas e objetivos, no mundo onírico os sonhos tem uma continuidade que pode ser revelada através das interpretações simbólicas e da compreensão genuína de seu aparecimento.
            Durante alguns anos de pesquisa à obra de Jung fiz uma compilação das citações sobre sonhos, mas por motivo de espaço,  selecionei algumas, aos quais ofereço aos leitores
do Blog.


NATUREZA DOS SONHOS

 “O sonho é feito de detalhes aparentemente pueris, que despertam uma impressão de algo ridículo, ou então é de tal modo incompreensível em sua superfície, a ponto de deixar-nos desorientados. Por isso devemos sempre superar em nós mesmos uma certa resistência antes de conseguirmos desatar seu enredo complicado, através de um trabalho paciente. Quando penetramos no verdadeiro sentido de um sonho, mergulhamos profundamente no segredo do sonhador e descobrimos com espanto que seu aparente absurdo é significativo ao mais alto grau e sua linguagem fala apenas das coisas extraordinariamente importantes e sérias da alma. Tal descoberta faz-nos sentir mais respeito pela velha superstição de que os sonhos têm um significado desconhecido, até agora, pela corrente racionalística do nosso tempo.”  Psicologia do Inconsciente

INTERPRETAÇÕES DOS SONHOS

                        “A arte de saber interpretar sonhos não se aprende nos livros. Métodos e regras são bons quando a gente consegue se virar também sem eles. Um verdadeiro saber só o tem quem sabe, e bom senso só o tem o sensato. Quem não se conhece a si mesmo não pode conhecer o outro. E em cada um de nós existe também um outro que nós não conhecemos. Fala-nos pelo sonho e nos diz quão diferente ele nos vê do que nós nos vemos. Se nos encontramos, pois, em situação de difícil solução, o outro estranho pode acender uma luz que muda radicalmente nossa atitude, exatamente aquela atitude que nos levou à situação difícil.” JUNG

SONHOS E O SI-MESMO

“Ocupar-se com os sonhos é uma espécie de tomada de consciência de si. Não é a consciência do eu que se dá conta de si mesmo, mas ocupa-se com o dado objetivo do sonho como um comunicado ou mensagem da psique inconsciente e oni-unitiva da humanidade. A gente se dá conta não do eu, mas sim daquele si-mesmo estranho que nos é próprio, que é nossa raiz da qual brotou, em dado momento, o eu. Ele nos é estranho porque dele nos alheamos através do extravio da consciência”. Psicologia do Inconsciente

“ Os símbolos do centro representam a meta. O desenvolvimento desses símbolos equivale mais ou menos ao processo de cura. O centro, isto é, a meta, tem portanto um sentido de salvação, na acepção própria desta palavra. A justificativa de uma tal terminologia decorre dos próprios sonhos que contêm muitas referências ao tema dos fenômenos religiosos. Parece-me claro que tais processos implicam os arquétipos formadores de religiões. Qualquer que seja a natureza da religião, não resta a menor dúvida de que seu aspecto psíquico, empiricamente constatável, reside nessas manifestações do inconsciente.” Psicologia e Alquimia

SIMBOLISMO DOS SONHOS

“A função compensatória se manifesta em conjunto de materiais psíquicos bem definidos, como por exemplo em sonhos, nos quais nada de ‘simbólico’ se encontra, como tampouco num chifre de bode. Para desvendar seu caráter simbólico, é necessária uma disposição consciente bem específica, a saber, a vontade de entender o conteúdo do sonho como simbólico. De início, como mera hipótese, deixando que a experiência da vida venha a decidir se é útil ou necessário, ou recomendável entender simbolicamente os conteúdos dos sonhos, em vista de uma orientação de vida”. Psicologia em Transição

SONHOS E O INCONSCIENTE

 “A repetição do sonho exprime a insistência do inconsciente em conduzir o conteúdo do sonho para a consciência.” Sincronicidade

SONHOS E SOMBRA

O inconsciente pessoal contêm lembranças perdidas, reprimidas (propositadamente esquecidas), evocações dolorosas, percepções que, por assim dizer, não ultrapassam o limiar da consciência (subliminais), isto é, percepções dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a consciência e conteúdos que ainda não amadureceram para a consciência. Corresponde à figura da sombra, que freqüentemente aparece nos sonhos. Psicologia do Inconsciente

SONHOS E ARQUÉTIPOS

 “Cada vez que um arquétipo aparece em sonho, na fantasia ou na vida, ele traz consigo uma ‘influência’ específica ou uma força que lhe confere um efeito numinoso e fascinante ou que impele a ação”. Psicologia do Inconsciente


SONHOS - DIVERSOS

“Quando aconselho a meu paciente: ‘Preste atenção em seus sonhos’, quero dizer o seguinte: ‘Volte ao ser mais subjetivo, à fonte de sua existência, àquele lado onde você faz história do mundo sem o perceber. Sua dificuldade aparentemente insolúvel deve, evidentemente, ser insolúvel para que você não continue procurando remédios que sabemos de antemão serem ineficazes. Os sonhos são expressão de seu ser subjetivo e, por isso, podem mostrar-lhe a atitude errônea que o levou para este beco sem saída’.” Psicologia em Transição




INCONSCIENTE COLETIVO


            Para compreendermos mais claramente a idéia de Inconsciente Coletivo, é interessante nos remetermos a idéia que faz com que tenhamos uma noção de consciência coletiva. Sabemos que um conjunto de idéias, valores, crenças, costumes, leis, etc., que norteiam uma sociedade acabam por construir coletivamente o que podemos designar como sua Cultura ou a forma de viver de determinado povo. Ou seja, quando falamos dos Brasileiros, por exemplo, podemos dizer que em nossa cultura temos um povo eclético,  com pessoas alegres, calorosas. etc. Assim como podemos falar que ainda existe muita corrupção, desigualdade social, falta de nacionalismo, etc. Todas estas características são tratadas de forma generalistas e formam uma espécie de consciência coletiva da nação (consciência, por que temos conhecimento de sua existência). Em contrapartida, a cultura Islâmica, por uma questão histórica e até mesmo geográfica, coletivamente possui uma cultura essencialmente conflitiva, com problemas de ordem religiosos e raciais, que marcam profundamente a consciência coletiva daquelas pessoas. Cada cultura, quer de um país de uma região, ou de um bairro, pode constituir coletivamente um conjunto de idéias, crenças e valores que irão, no seu conjunto, ser classificados e estudados como um objeto. Mas  o homem, por natureza,  não é só um produto do seu meio, mas fundamentalmente um ser que gera idéias e valores que se agregam a esta convivência social e que permeiam através dos anais de sua história. O conjunto destas idéias formam a cultura e a consciência de um povo.
            Émile Durkheim (1858-1917), considerado hoje um dos fundadores da sociologia moderna,  em seu tratado sobre A Divisão do Trabalho fala-nos sobre a consciência  coletiva. A estruturação desta consciência coletiva estaria co-relacionada com os tipos de lei (restituitivas ou repressivas) e as sanções que seriam aplicadas na sociedade que, por sua vez, estariam inclinados aos preceitos morais e culturais norteadas pela mesma. Vemos que os mesmos conteúdos que integram nossa existência individual (valores, crenças, repressões e signos de liberdade) se refletem diretamente em nosso convívio social. Estes conteúdos individuais refletidos na sociedade é o que propiciou o nascimento de mais uma ciência, conhecida hoje como Sociologia. Sabemos, por exemplo,  que o receio que cada pessoa sente ao atravessar uma rua escura e deserta em uma metrópole hoje, acaba se tornando um objeto de estudo social : a violência urbana, a falta de segurança, etc. Cada um de nós constituímos um ponto neste desenho social, mas este mesmo desenho também é responsável diretamente em nosso constructo individual. Não podemos mais separar a influência do meio ao homem, assim como a influência do homem ao seu meio, de modo que não sabemos aonde que se inicia o eu e a sociedade construído pelos eus.
            Se concebermos que na totalidade do indivíduo encontramos uma parte que denominamos consciente e uma outra região que hoje denominamos de in-consciente, se ampliarmos nossa visão (assim como fizeram os sociólogos), encontramos também no organismo coletivo uma parte consciente (valores, crenças, culturas, ideais, etc.) e uma parte inconsciente, ou seja, muito destes valores e crenças que passam através de nossa história e que parecem que nunca vão nos abandonar,  apesar de adormecidos por algum tempo. Em síntese, assim como encontramos um consciente e um inconsciente pessoal, ocorre também um consciente um inconsciente coletivo.
            Nos voltemos agora aos conceitos tradicionais encontrados nos manuais e dicionários analíticos que nos descrevem o que seria o inconsciente coletivo. Uma primeira definição diz que ele são  “ conteúdos psíquicos que pertencem não a um indivíduo, mas a uma sociedade, a um povo ou à raça humana em geral..”  ; “A personalidade consciente é um segmento mais ou menos arbitrário da psique coletiva. Consiste em uma soma de fatores psíquicos que são sentidos como se fossem pessoais.” ;  “Tanto a identificação com o coletivo como a segregação voluntária dele são igualmente sinônimos de doença.”
Inconsciente Coletivo é a camada estrutural da psique humana, que contém elementos herdados, distintos do inconsciente pessoal.  “O inconsciente coletivo contém toda a herança espiritual da evolução da humanidade, nascida novamente na estrutura cerebral de cada indivíduo.”
Jung despertou para a existência de um inconsciente coletivo a partir da observação da presença de fenômenos psicológicos que não podiam ser explicados à base da experiência pessoal. A atividade inconsciente de fantasia, por exemplo, pertence a duas categorias. Diz ele:
A primeira é a das fantasias (incluindo os sonhos) de caráter pessoal, que remontam, sem sombra de dúvidas, às experiências pessoais, às coisas esquecidas ou reprimidas e que podem, assim, ser completamente explicadas pela anamnese individual. A segunda é a das fantasias (incluindo os sonhos) de caráter impessoal, que não podem ser reduzidas a experiências passadas do indivíduo e que não podem, portanto, ser explicadas como sendo algo adquirido individualmente. Estas imagens de fantasia têm, indubidavelmente, íntima analogia com os tipos mitológicos... Esses casos são tão numerosos que nos obrigam a admitir a existência de um substrato psíquico coletivo. Chamei a isto de inconsciente coletivo.”

“O inconsciente coletivo, na medida em que dele possamos dizer qualquer coisa, parece consistir em motivos mitológicos ou imagens primordiais. Por isso, os mitos de todos os povos são seus reais expoentes. Na verdade, toda a mitologia poderia ser entendida como uma espécie de projeção do inconsciente coletivo... Podemos, pois, estudar o inconsciente coletivo de duas maneiras : na mitologia ou na análise individual.”

Em seus Estudos sobre Psicologia Analítica encontramos um resumo de suas principais concepções sobre o tema, transcritos aqui na íntegra:

I.    I.    O inconsciente coletivo é a parte inconsciente da psique coletiva, a imago do objeto inconsciente.
II. II.  O inconsciente coletivo compõe-se : primeiro, de percepções, pensamentos e sentimentos subliminais que não são reprimidos devido a sua incompatibilidade pessoal, mas que devida à intensidade insuficiente do seu estímulo ou pela falta do exercício da libido ficam desde o início aquém do limiar da consciência ; segundo, de restos subliminais de funções arcaicas, que existem a priori e que podem ser acionados a qualquer momento através de um certo represamento da libido. Esses resíduos não são apenas de natureza formal, mas também dinâmica (impulsos) ; terceiro, de combinações subliminais sob forma simbólica, que ainda não estão aptas para serem conscientizadas.
III. Um conteúdo atual do inconsciente coletivo consistirá sempre numa amálgama dos três pontos já formulados; daí o poder-se interpretar a expressão para diante ou para trás.
IV. O inconsciente coletivo sempre aparece projetado num objeto consciente.
V. O inconsciente coletivo no indivíduo A se assemelha ao inconsciente coletivo no indivíduo Z num grau muito maior do que teria um conexão recente de idéias conscientes nos entendimentos entre A e Z.
VI. Ao que parece, os conteúdos mais importantes do inconsciente coletivo são as “imagens primordiais”, isto é, as idéias coletivas inconscientes e os impulsos vitais (vida e pensamento mítico).
VII. Enquanto o eu for idêntico à persona, a individualidade também constitui um conteúdo essencial do inconsciente coletivo. Aparece em sonhos e fantasias nos homens, primeiro como figura masculina, e nas mulheres, como uma figura feminina; posteriormente apresenta atributos hermafroditas, caracterizando desse modo sua posição central. (Em Golem Walpurgisncht de Meyrink encontramos bons exemplos disto.)






ARQUÉTIPOS
 
Os arquétipos são fatores formais responsáveis pela organização dos processos psíquicos inconscientes: são os patterns of behaviour (padrões de comportamento). Ao mesmo tempo , os arquétipos tem uma  “uma carga específica”:  desenvolvem efeitos numinosos que se expressam como afetos.
O estudo dos arquétipos foi mais uma das contribuições inovadoras de Jung à psicologia. Como tal, pouco compreendido pelos leigos, que tecem seus comentários por meio de citações retiradas de um contexto mais amplo, as carregam de pré-conceitos e críticas pela falta de um método eficiente que demonstrem sua existência. Para que não proporcionemos mais uma possibilidade de erro neste sentido, nunca é demais aconselhar ao leitor realmente interessado nas idéias de Jung que procurem as fontes límpidas das informações através das obras completas (sugestões no final do texto) ou naqueles autores que conseguiram simplificar as idéias sem perder a essência da idéia original.
C.G. Jung, como profundo estudioso das tradições clássicas, das religiões comparadas e como um pesquisador da alma humana, resgata um vasto tesouro psicológico em suas viagens exóticas pelas tribos do mundo e constata a existência dos Arquétipos ao constatar que certos padrões de Idéias constelavam entre os povos sem o contato direto entre eles. Ou seja, se nossa humanidade caso viesse a desaparecer, restando alguns poucos indivíduos, logo se restabeleceria uma nova civilização com os mesmos temas, porém, com roupagens diferentes. Mas, o que de fato ocorre é um movimento cíclico na evolução histórica da humanidade, com os conteúdos arquetípicos manifestando-se como pano de fundo no processo civilizatório. Diz Jung : “...se não podemos negar os arquétipos, ou mesmo neutralizá-los, a cada novo estágio de diferenciação da consciência que a civilização atinge confrontamo-nos com a tarefa de encontrar uma nova interpretação apropriada a esse estágio, a fim de conectar a vida do passado, que ainda existe em nós, com a vida do presente, que ameaça dele se desvincular.”
Jung define Arquétipos como motivos psicológicos comuns a todos os povos, herança da humanidade; eles constituem os “elementos primordiais e estruturais da psique humana”. Os arquétipos não podem ser estudados empiricamente, pois são irrepresentáveis, contudo, seus efeitos ou aparições ocorrem por imagens, idéias ou sonhos. Diz Jung : “Os arquétipos... se apresentam como idéias e imagens, da mesma forma que tudo o que se torna conteúdo da consciência”. E mais : “Os arquétipos são, por definição, fatores e motivos que ordenam os elementos psíquicos em determinadas imagens, caracterizadas como arquetípicas, mas de tal modo que podem ser reconhecidas somente pelos efeitos que produzem.”
Jung faz uma analogia dos arquétipos com os instintos, de modo que ambos são herdados pela humanidade, guardando sempre suas diferenças e peculiaridades. Explica que os Arquétipos “São herdados junto com a estrutura cerebral – constituem, de fato, o seu aspecto psíquico. Representam, de um lado, um poderoso conservadorismo instintivo e são, por outro lado, os meios mais eficazes que se pode imaginar de adaptação instintiva.” Assim como os instintos naturais do homem são comuns a toda a espécie, o mesmo ocorre com os arquétipos, como possibilidade a toda humanidade, ou seja idéias e imagens de ordem coletiva.
Vejamos o esquema apresentado no livro “A Natureza da Psique”:
INSTINTOS                                                                              ARQUÉTIPOS
Infravermelho   ------------------------------------------------------------------  Ultravioleta
Os instintos relacionam-se com o fisiológico que se manifesta através dos sintomas corporais, percepções instintivas, etc. Os arquétipos com o psicológico que se  relaciona com o espírito, sonhos, concepções, imagens, fantasias,etc.  Jung comenta que “é como se o instinto se situasse, por assim dizer, na parte infravermelha do espectro, ao passo que a imagem do instinto situa-se na parte ultravioleta... A realização e a assimilação do instinto jamais ocorrem na porção, isto é, por absorção na esfera do instinto, mas somente pela integração da imagem, que significa e, ao mesmo tempo, evoca o instinto, se bem que de forma completamente diversa daquela que encontramos no nível biológico.”
Mas, apesar de todo este comparativo didático com os instintos, os Arquétipos se encontram como um contraponto da consciência, pois na realidade são constituídos de todas imagens, símbolos e aspirações que inspiram a saga do Herói e a conquista do Si-Mesmo: “ele (Arquétipo) é oceano ao qual se encaminha todos os rios, o prêmio que o herói arrebata na luta contra o dragão” , ressalta. 




PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO



“A resistência à massa organizada somente pode ser efetuada pelo homem que é tão bem organizado em sua individualidade quanto a própria massa.”
                                                                                              C.G.Jung
 
            Antes de tentar compreender o processo de individuação é interessante analisarmos os conceitos sobre o individuo na psicologia analítica. A origem etimológica de individuo, significa in-diviso, a parte não divisível do homem e vemos que Jung vai buscar seus conceitos sobre o indivíduo apoiado nesta concepção, pois para ele o individuo é o “ser singular”, caracterizado por sua psicologia peculiar e única. Diz ele : “O indivíduo psicológico, ou individualidade psicológica, existe inconscientemente a priori, mas só existe conscientemente na medida em que haja uma consciência de sua natureza peculiar, isto é, na medida em que haja uma distinção consciente em relação aos outros indivíduos.” O que pertence ao indivíduo, portanto, é o que de fato pertence somente a ele e que o diferencia do coletivo.
            E como sabermos o que é próprio do indivíduo ou do coletivo? O processo de individuação é exatamente o processo que visa buscar a essência individual, o desenvolvimento do indivíduo psicológico como ser diferenciado da psicologia geral, coletiva. Diz Jung: “A individuação é, portanto, um processo de diferenciação, cujo objetivo é o desenvolvimento da personalidade individual”.
            Estes conceitos podem nos parecer essencialmente simples, porém, várias etapas e assimilações envolvem o desenvolvimento. Diz Jung: “O processo de individuação consiste num intenso esforço analítico que se concentra, com a mais rigorosa integridade e sob a direção da consciência, no processo psicológico interno, alivia a tensão nos pares de opostos por meio da mais alta ativação do conteúdo do inconsciente, adquire um conhecimento prático de sua estrutura e conduz, em meio a todas as aflições de uma psique que perdeu o seu equilíbrio, desbravando camada após camada, àquele centro que é a fonte e a base final de nossa existência psíquica – ao núcleo central a que chamamos o Eu.”
E mais : “O curso de individuação que foi traçado em linhas gerais apresenta um certa regularidade formal. Os seus marcos ou pontos de referência são vários símbolos arquetípicos, cuja forma e manifestação variam de acordo com o indivíduo. Descrever os símbolos arquetípicos do processo de individuação em todas as múltiplas formas em que se apresentam exigiria um amplo conhecimento e exame das diferentes mitologias e descrições simbólicas da história humana.”
Existem, porém, certos arquétipos que parecem estar universalmente identificados com os quatros estágios principais do processo de individuação e ser característicos desses estágios. Em ordem cronológica, são : (1) o arquétipo da sombra; (2)- o arquétipo da imagem da alma; (3) o arquétipo do velho sábio (nos homens) ou da Magna Mater (em mulheres); (4)- o arquétipo do eu.
            Pode parecer que o processo de individuação, por ter a diferenciação do coletivo como parte da dinâmica, indique que o individuo tenha que se isolar ou ficar imune às coisas do mundo, contudo, a lógica é inversa como esclarece Jung: “a individuação não exclui a pessoa do mundo, mas aproxima o mundo dela”. Via de regra, quanto mais a pessoa se integra no processo de individuação mais portas externas se abrem e “como o individuo não é apenas um ser à parte, separado, mas pressupõe, pela sua própria existência, uma relação coletiva, segue-se que o processo de individuação deve conduzir a relações coletivas mais amplas, e não ao isolamento”, explica Jung.
            Para aquele que ingressa no processo de individuação, entretanto, logo se acostuma a ser visto como louco, alienado ou fanático, pois seus valores se opõem aos da massa coletiva. Porém, para quem o vive estas são oportunidades para o  desenvolvimento da compaixão e amor pelos que ainda não despertaram... Mas, este é um processo inadiável, pois, se no imago da individuação reside a tentativa de libertação do individuo dos processos coletivos, logo, não há processo sem a mudança de valores, sem o realce nos valores internos em detrimento aos externos e a aquela eterna inquietação perturbando sua alma:“ser ou não ser”.

            Para encerrar, um trecho do Tao te King, atribuído a Lao Tsé :


Quando um sábio superior ouve falar do Caminho,
ele O percorre com muita sinceridade
Quando o sábio mediano ouve falar do Caminho,
às vezes ele O segue, às vezes O esquece
Quando o sábio inferior ouve falar do Caminho,
ele dá sonoras gargalhadas
E se ele não der sonoras gargalhadas,
esse não seria o Caminho.
(Logo, se buscas o Caminho, segue o som das gargalhadas!)